quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Por uma travessia lúdica para a escrita

Por uma travessia lúdica para a escrita
Ebenezer de Menezes, da Agência EducaBrasil
O ensino e a aprendizagem da redação escolar provoca insatisfação em alguns alunos e professores. Por um lado, os docentes sentem-se incapazes da tarefa com uma proposta pedagógica ineficaz, por outro, o aprendiz sente um desgosto no ato de escrever. Sem a pretensão de solucionar esse problema, Lílian Ghiuro Passarelli, doutoranda em Língua Portuguesa pela PUC-SP, desenvolveu uma dissertação de mestrado com o objetivo de enfrentar a situação nas aulas de escrita. O resultado de seu trabalho pode ser conferido no livro Ensinando a escrita - o processual e o lúdico, lançado pela Editora Olho d’Água.

O estudo de Passarelli para trabalhar a produção do texto critica a tradição escolar que ensina três tipos de textos: dissertação, narração e descrição. Alerta ainda sobre as aulas que utilizam os textos de escritores consagrados. "Daí resulta uma visão distorcida dos tipos de texto, pois os exemplos modelares mostram-se artificiais frente à experiência do estudante. A vida prática, além dos muros escolares, mostra ao educando que existem muitos outros tipos de texto". E acrescenta: "O problema não está apenas no fato de o aluno ter um texto de autor consagrado como modelo e sim porque só se mostra que tal texto é uma narração; o aluno é induzido a supor que escrever se resume a fazer uma descrição, uma narração ou uma dissertação."
A autora, que procura conciliar o lúdico, a interação construtiva e a perspectiva teórica escrita como processo em sua proposta, reprova o mito sobre aquele que tem "talento especial para escrever", que consegue criar um texto até o fim sem qualquer planejamento ou revisão. "Isso pode dar a entender que não há processo de produção do texto escrito", explica.
O modelo literário adotado, diz Passarelli, pode estimular ou provocar bloqueios, caso a prática se reduza à imitação dos autores consagrados. Segundo ela, "diante de exemplos perfeitos, o estudante se sentiria intimidado; o professor duvidaria de sua experiência, pois seus alunos não estariam reproduzindo exatamente como ele ensinou".
Contudo, as considerações da autora não implicam um descrédito à leitura. "Há consenso de que a leitura auxilia a escrita. A leitura é um elemento constitutivo do processo de produção da escrita pois fornece matéria-prima para esta: o que escrever... como escrever", assegura, fazendo referência à Eni Pulcinelli Orlandi, em seu Discurso e leitura, co-editado pela Cortez e Unicamp, em 1988.
Outro aspecto, enfatizado por Passarelli em seu trabalho, trata do repertório de vida dos alunos. Ela considera importante respeitar os níveis de conhecimento, as predileções e aptidões dos estudantes. O que a autora propõe, com essa preocupação, é uma tentativa de expandir ou inovar o repertório dos alunos. É um trabalho voltado para minimizar o desafeto no ato de escrever para despertar uma vontade, um gosto, o prazer.
Foi com esse objetivo que Passarelli pesquisou o lúdico. Seguiu os estudos de Johan Huizinga (autor de Homo ludens: o jogo como elemento da cultura, editado pela Perspectiva, em 1980), que verifica uma decadência do lúdico. Foi ele quem mostrou para a autora o sentido do divertimento para a sociedade. Foi possível, depois, diferenciar o lúdico instrumental, de caráter utilitário, do lúdico essencial. Estudiosos que vêem a escrita como processo também deram suas contribuições.
No trabalho prático em sala de aula, o objetivo da pesquisadora é auxiliar os alunos a descobrirem o processo de produção de um texto escrito. Com isso em vista, Passarelli criou um roteiro, com passagens lúdicas, para transformar a relação professor/aluno. Exerceu o papel de contadora de histórias. E, diante dessas propostas, a visão do escritor como alguém privilegiado e talentoso ficou menos forte.
Segundo Passarelli, o palco da escola deixou de ser uma "tragédia da insatisfação" para se tornar um "teatro de costumes", quando os alunos foram estimulados a falar de si mesmos, criando uma personagem, para contar a vivência dos alunos, real ou fictícia.
"Talvez essa seja a grande oportunidade da escola: admitir a imaginação como aliada no processo de ensino/aprendizagem", diz a autora no final do livro, quando observa a validade do Jogo da Verdade/Mentira que, segundo ela, é motivo para muito prazer e divertimento. O que está por traz dessa atividade lúdica é uma tentativa de se adquirir matéria-prima para escrever.

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