quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O brincar

A atividade lúdica é para a criança um dos meios principais de expressão que possibilita a investigação e a aprendizagem sobre as pessoas e as coisas do mundo.
Ao favorecer o desenvolvimento dos aspectos cognitivos assim como a simbolização do mundo interior de pensamentos e afetos, através da imaginação, a criança pode dar vazão a seus desejos, conflitos e vivencias mais íntimas.
Recorreremos aos pressupostos teóricos da psicanálise para aprofundar a reflexão deste tema. Ao observarmos o bebe ao nascer podemos perceber que ele é tomado por estímulos externos e internos que em alguns momentos causam-lhe sensações prazerosas e de satisfação e em outros desprazer e desconforto.
As reações iniciais do bebe a estes estímulos sensíveis são corporais e é nesta busca de descarga e satisfação que vai ocorrendo a interação com a mãe ou um outro que a represente e do qual depende não apenas para a sua sobrevivência biológica como também para a formação e construção da sua vida psíquica e emocional.
Segundo a teoria do psicanalista Bion, rêverie, seria o nome dado a essa fundamental capacidade materna para a fantasia ou seja a capacidade deste outro de ser o continente para a criança neste caos sucessivo e desordenado de estímulos que vivencia ao acolher, digerir, nomear e transformar essas vivências em algo de natureza psíquica.
Ao significar o que é fome, sede, dor, alegria, raiva, tristeza ou seja a multiplicidade das vivencias emocionais que experiência, vai se possibilitando á criança, a representação e a simbolização do mundo de coisas e de afetos compartilhado pelos humanos através da linguagem verbal, gestual, mímica, corporal, etc.
Dessa forma a formação da memória, do pensamento e da simbolização é inerente ao vínculo e às experiências emocionais que a criança estabelece com a mãe e os outros.
No início do seu desenvolvimento emocional, a forma pela qual a criança se livra das vivencias desagradáveis que não consegue conter, é pela descarga motora e através de atividades corporais como mordida, chute, ou mesmo por uma necessidade de colo e de olhar exclusivos e intensos.
A possibilidade do adulto dar sentido às ações pré- verbais da criança é que vai permitir que ela possa substituir gradativamente a ação pelo pensamento e recorrer ao uso da linguagem verbal e da simbolização como formas mais elaboradas de comunicação.
Essa breve exposição sobre o desenvolvimento emocional foi feita para podermos compreender a importância da atividade lúdica neste contexto, já que esta se caracteriza pela plasticidade psíquica através do uso da fantasia e da criatividade.
A mãe por exemplo, ao transformar a colher que dá o alimento á criança em aviãozinho ou ao contar estórias, brincar de esconde-esconde com os objetos, cantarolar, fazer mímica, etc, ajuda a criança a perceber os vários sentidos expressivos e a flexibilidade da comunicação humana.
Desta forma insere-se a possibilidade de sair de um mundo concreto, rígido e estático de coisas e objetos e a penetrar em um mundo mutável, fluído e rico de sentidos, que é representado pela mente.
Ao observarmos crianças ou mesmo adultos com um pensamento tão concreto aonde as coisas se apresentam sempre de forma única , rígida e empobrecida nos damos conta do quanto não puderam contar com alguém que pudesse tê-los ajudado a ultrapassar a percepção imediata do mundo para uma vivencia psíquica com maior mobilidade e criatividade.
É também, através da atividade lúdica e artística que a criança pode ir expressando através da fantasia os seus desejos, elaborar os seus conflitos e viver o faz-de-conta como suporte para a realidade.
Não é à toa que as crianças invertem os papéis nas brincadeiras e podem ser papai, mamãe, professor. Já que na vida real precisam depender e se submeter a vontade dos adultos é através da brincadeira que podem ser este adulto que imaginam tão poderoso e maravilhoso e desta forma podem ir elaborando os seus sentimentos de submissão, autoridade, necessidade de autonomia e independência
Estas brincadeiras expressam conteúdos inconscientes, não cabendo ao educador interpretá-las mas sim permitir a sua expressão. Diferente da ludoterapia que tem como objetivo principal a compreensão dos movimentos psíquicos amorosos e agressivos com suas expressões de angústia e conflito, a finalidade da atividade lúdica na escola é o desenvolvimento da afetividade através da simbolização, criatividade e socialização.
Os conteúdos mentais que parecem desconexos e absurdos para os aspectos racionais da mente, podem ter uma riqueza de sentidos nas vivencias emocionais embora se apresentem de forma ilógica, fantástica, múltipla e indireta.
A razão e a afetividade percorrem caminhos diferentes em suas formas de representação, e é a possibilidade de penetrar paralelamente nessas diferentes apreensões do homem, das coisas e do mundo que podem permitir à criança a integração no seu desenvolvimento cognitivo e emocional.
É desta forma que a criança poderá desenvolver o pensamento para apreender os fundamentos da matemática, da ciência e da formação dos conceitos lógicos e universais, mas também de se inserir no fascinante mundo da imaginação, das multiplicidades de sentidos, das diferenças, do devir e do movimento para melhor lidar com as vicissitudes da vida mental. Gostaríamos também de poder expor determinadas brincadeiras de acordo com as fases do desenvolvimento emocional da criança, e assinalar a importância dos educadores levarem em conta a dinâmica psíquica e os conteúdos mentais envolvidos.
Por exemplo, na fase onde há o predomínio da oralidade como forma de apreensão do mundo, as brincadeiras de engolir, morder, contar estórias sobre o lobo mau e outras podem ser muito significativas.
Na seqüência, em relação às vivencias da analidade, as brincadeiras com barro, argila, areia, massinha, geleca e outros materiais afins, possibilitam uma proximidade simbólica com as fezes, através da transformando da meleca e da matéria sem forma em um produto criativo, estético e de valor.
Na fase edípica as crianças brincam muito de imitar os pais, usando as suas roupas, maquiagens e sapatos como forma de identificarem-se e de serem os super heróis, príncipes e princesas vencendo os inimigos e rivais.
A partir de uma maior compreensão do mundo mental, pode-se inferir que no início do desenvolvimento a criança não tem delimitado as vivencias que vem dela e o que decorre do mundo externo.
As experiências emocionais se apresentam de forma cindida, instantânea e parcial não havendo integração entre elas, portanto a criança ainda não pode fazer uma integração da mesma mãe que ora lhe gratifica e ora lhe frustra.
As vivencias boas são idealizadas, queridas e desejadas e as frustrantes são vivenciadas como más estando fora e causadas pelos outros. A capacidade de integração presume a possibilidade de suportar a frustração e de se sentir responsável pelos seus atos e sentimentos e portanto exige trabalho ao psiquismo. A criança necessita de uma mãe e de um ambiente que possam ajudá-la nesta difícil tarefa.
Neste sentido os contos de fadas e as estórias causam tanto fascínio nas crianças por se utilizarem de uma comunicação muito próxima das suas vivencias, ajudando-as na sua elaboração.
A divisão entre bom e mau, fada e bruxa, amor e ódio, expressos através de vivencias corporais como morder, fazer pedacinhos, devorar, envenenar, etc, simbolizam as formas iniciais de relações que a criança estabelece.
As vivencias de onipotência, magia, idealização, perseguição, dominação do terror e exaltação dos aspectos construtivos e reparadores, características das estórias possibilitam à criança uma proximidade com sua vida afetiva ajudando-a a sentir-se compreendida e acolhida.
Por outro lado, a linguagem simbólica e metafórica usada nos contos faz com que se sinta distante e não ameaçada pelos conteúdos descritos, o que possibilita o encantamento e o pedido de repetição do conto pelo prazer e fascínio que esta lhe desperta.
Deste modo, ao transcorrer sobre estas questões esperamos estar contribuindo para um maior esclarecimento da importância da atividade lúdica no desenvolvimento infantil.

Autoria: Miriam Altman e Muna Maalouli



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